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A Rapariga na Aldeia

A Rapariga na Aldeia

Entrevista a Rogério Timóteo

O novo ciclo de entrevistas de que vos falei há uns dias, inaugura-se hoje, aqui e agora.

O primeiro entrevistado é o escultor Rogério Timóteo. Aqueles que me conhecem sabem da minha grande admiração por escultura. Daí ao Rogério Timóteo foi um pequeno passo. Isto porque vive numa aldeia próxima da minha, Anços, e porque tem certamente muito para contar sobre a sua carreira ligada às artes plásticas...

DSC04345.jpgEu e o Rogério Timóteo

 

 

O Rogério prefere ser tratado por artista plástico ou escultor? 

Essa questão é muito pertinente. O meu mestre de escultura, quando lhe perguntavam se ele era o artista de uma determinada escultura, respondia "eu sou o escultor, não sei se sou artista..." Um artista é alguém que faz arte e quando se está a fazer escultura ou pintura nem sempre é arte. Vejamos por exemplo, a Faculdade de Belas Artes forma pintores e escultores mas não forma artistas. No meu caso, primeiro foi preciso aprender a esculpir, aprender a técnica para depois poder chegar à essência - isto sim é arte. Costumo fazer esta clara distinção. A batalha da vida de qualquer artista é tentar perceber se aquilo que está a fazer é arte, se é ou não válido no panorama actual em termos de arte, se a obra é valorizada e se consegue viver para além da vida do próprio artista. Para ser obra de arte tem de, obrigatoriamente, perdurar no tempo. 

O Rogério também pinta quadros...

Sim, é verdade, mas atenção, os meus quadros são desenhos de um escultor. Eu não tenho os braços e as mãos adaptados ao peso de um pincel, porque estou habituado a trabalhar com matéria pesada (risos). Na escultura toco bastante nos materiais e quando passo para o desenho necessito dessa interacção com o material. Muitas vezes digo que não são quadros mas sim desenhos !

Cresceu numa aldeia com fortes ligações ao mármore, isso influenciou a sua escolha profissional?

Não considero que tenha influenciado muito. A verdade é que desde cedo tive esse contacto directo com o mármore mas relativamente à escolha profissional eu costumo dizer que se eu tivesse nascido num local onde existisse outro material como a madeira ou o ferro eu estaria a fazer esculturas nesse material. Seria sempre escultor.  

Como posso ver nestas esculturas que me rodeiam, predomina a utilização do mármore...

Sim, é verdade, tenho uma clara preferência pela utilização do mármore, mas neste momento vou diversificando nos materiais utilizados porque o mármore pode não me permitir levar onde pretendo. O mármore tem o seu peso e a sua fragilidade que, por exemplo, pode oferecer algumas condicionantes em figuras suspensas. Nestes casos tenho de procurar materiais mais flexíveis, com maior leveza. O objectivo é fazer com que o material não me crie limitações...

A inspiração é sem dúvida na figura humana. É uma fonte infinita de inspiração?

Sim, sem duvida. Tem que ver com as emoções que o corpo humano nos transmite. Para além disso, é também um constante desafio que coloco a mim mesmo. Repare, se eu falhar, todos percebem que falhei. Se eu fizer uma peça/escultura abstracta poderia falhar repetidas vezes sem que ninguém notasse. Para além desse desafio constante de retratar a figura humana, considero também que trabalho constantemente sobre o arame ao utilizar directamente o mármore, em que posso cair a qualquer momento. Esculpir directo no bloco, sem molde, não me permite margem de erro pois tudo aquilo que retirar indevidamente é impossível de acrescentar. O mesmo não acontece quando se trabalha por exemplo o barro. A verdade é que tenho preferência por este risco, pelo desafio. 

Relativamente à vida de um escultor aqui na aldeia. Qual é para si a maior vantagem de viver um pouco afastado da cidade?

A distância da cidade sinto e irei sentir mas não constitui obstáculo. A aldeia dá-nos muita qualidade de vida e tranquilidade. Repare, isto é quase um condomínio privado, em que todos se conhecem e se relacionam. Muitas vezes não contabilizamos esses pormenores nas nossas vidas... Aqui já reparou que temos horizontes. Numa cidade tem o fundo da rua/avenida. Se os grandes pensadores vivessem em aldeias, elas estavam super valorizadas. 

E a maior desvantagem...

Sinto que estou demasiado longe das tertúlias culturais do dia-a-dia. Distante de pessoas que apetece trocar impressões ao final do dia. De resto, para ir ao cinema, ao teatro e a exposições temos de utilizar sempre o automóvel. A desvantagem é só a viagem de regresso (risos). 

Actualmente está com uma exposição em Viseu e uma próxima já está a ser preparada? 

Sim, estou com vários projectos em análise. Por estes dias por exemplo estão a chegar algumas esculturas minhas a uma galeria em Pádua e em Pietrasanta. Itália era dos últimos países onde eu pensava que iria ser convidado para expor as minhas esculturas, ainda por cima esculturas em mármore. 

Grande orgulho Rogério. E será uma exposição colectiva ou individual?

Colectiva.

Prefere as exposições colectivas ou individuais?

Eu prefiro as individuais, porque consigo mostrar muito mais o que pretendo. Uma exposição individual aprofunda mais a minha vertente. Dou-lhe o exemplo, para uma exposição colectiva posso escolher duas ou três peças muito boas mas que saem fora do contexto de todas as outras que lá estão, mas se eu apresentar todas as peças de uma coleção elas têm outro peso pois juntas fazem mais sentido. Juntas contam uma história. Há um fio condutor. 

Que conselhos/palavras daria a um jovem que pretendesse seguir carreira profissional nesta área?

Vamos ser moderadamente optimistas (risos). Depois da formação superior, aconselho vivamente todos os jovens a aprenderem com o que foi feito antes, por outras pessoas. Antes de inovar é imprescindível conhecer e compreender a história passada. Não devem de todo entrar em ruptura com o passado. Ter humildade, predisposição para aprender e só depois vem a originalidade. 

Muito obrigada Rogério pela sua disponibilidade e simpatia. 

Obrigada e até uma próxima visita. 

 

 

Seguem algumas fotografias das suas obras, no atelier e no exterior, mas como a minha aptidão para fotografar é inversamente proporcional ao talento do Rogério, aconselho uma visita à página A Escultura de Rogério Timóteo. Vale muito a pena ficarem a conhecer melhor as suas peças. 

 

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Ao Rogério e à sua mulher envio um sincero agradecimento pela forma como me receberam.